A prefeitura de Blumenau orientou para a cidade, desde o dia 18 de março, as medidas de restrições e isolamento social oriundas de decreto publicado pelo governo estadual. Com isso, além de fechamento de locais com grande aglomeração de pessoas, como shoppings, e a paralisação do transporte urbano, os serviços públicos estão restritos àqueles considerados essenciais. No que se refere às grandes empresas, especialmente as fábricas têxteis e metalmecânica, algumas funcionam com número reduzido de trabalhadores, além daquelas que deram férias para parte de seus funcionários nas últimas semanas.
Os protagonistas deste cenário panorâmico são os trabalhadores, dos mais variados segmentos, que vão sendo atacados sistematicamente sem que haja uma efetiva reação por parte dos sindicatos. Um dos ataques a esses direitos, por parte dos patrões, foi justamente a imposição de férias aos trabalhadores, como ocorreu na Blumob (empresa que administra o transporte urbano em Blumenau), em parte das indústrias têxteis, como a Henring e a Karsten, bem como em alguns setores da prefeitura.
Nestes locais a paralisação das atividades foi substituída pelo mecanismo de dar férias compulsoriamente aos trabalhadores, o que gera pelo menos dois problemas. Primeiro, porque tira desses trabalhadores a opção de escolher a data de suas férias, de acordo com suas necessidades concretas. O segundo problema é que, estando formalmente em férias compulsórias, os trabalhadores poderão ser convocados a retornar ao trabalho a qualquer momento, como talvez ocorra com os funcionários da Blumob caso haja o retorno do transporte público. Mesmo diante do cenário de contaminação crescente, o comércio de rua da cidade voltou ao funcionamento.
Outra questão fundamental refere-se aos trabalhadores que continuam expostos aos riscos de contaminação, sejam os que atuam nos serviços essenciais, sejam os que trabalham com os serviços não essenciais autorizados a funcionar. Segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau, Gaspar e Indaial (Sintrafite), Vivian Kreutzfeld:
“Tem gente que mora com pessoas do grupo de risco e esse vaivém do trabalho nos traz essa preocupação de ter a transmissão dentro dos locais de trabalho. O lucro não pode ser maior do que a vida para as pessoas. E mais: adianta produzir agora? Não vale a pena deixar as pessoas adoecerem e o momento é de prevenção”.
O caminho correto, portanto, seria a suspensão dos serviços não essenciais e a interrupção dos trabalhos nas fábricas que não sejam destinados à produção de itens essenciais.
Portanto, não há uma efetiva política de quarentena, na medida em que parte da população precisa continuar a trabalhar e, com isso, fica exposta ao contágio. Inclusive um dos casos de contaminação confirmados em Blumenau é o de uma enfermeira que atua em um ambulatório da prefeitura. Além disso, não há preocupação com os trabalhadores que fazem parte de grupos de risco, ou que possuem dependentes que façam parte do grupo de risco. Estes trabalhadores, assim como as mães cujas crianças estão sem atendimento nas escolas e nas creches, devem ser liberados de seus locais de trabalho, mesmo que sejam serviços essenciais. Quanto menos trabalhadores correrem o risco de contágio, menos os serviços essenciais serão necessários.
Os sindicatos têm se mostrado bastante limitados em suas posições, respondendo muito mais às situações imediatas do que preparando as diversas categorias para os inevitáveis enfrentamentos, que ocorrerão durante e após a pandemia. Um exemplo de enfrentamento ocorrido neste momento se deu no banco Santander, em agência localizada na região central da cidade, que convocou todos os trabalhadores a comparecem ao trabalho diariamente, descumprindo decisão judicial, que determina que os bancos reduzam para até 50% o número de empregados nas atividades presencias. Além disso, a agência não estava fornecendo luvas, máscaras cirúrgicas e nem álcool em gel aos seus funcionários e clientes. Esse não foi um caso isolado. Segundo destacou Edson Heemann, presidente do Sindicato dos Bancários de Blumenau e Região, em entrevista no dia 24 de março:
“Nos últimos dias nos chegaram várias denúncias de que os bancos estão mantendo os funcionários nas agências executando atividades internas, o que contraria o objetivo do decreto, que é inibir ao máximo a circulação das pessoas e resguardar a saúde de todos”.
Em paralelo, vários sindicatos e outras entidades, bem como núcleos acadêmicos e movimentos sociais de Blumenau, assinaram manifesto de âmbito estadual que exigia a continuidade da política de quarentena. Esse manifesto dos movimentos sociais se opunha a documento lançado por entidades empresariais de Santa Catarina, no qual afirmavam que a “paralisação da economia poderá ter consequências sociais tão graves quanto a própria pandemia”. O documento das entidades patronais, além de lamentar pela possível redução dos lucros, pedia que o poder público não apenas flexibilizasse a política de quarentena, mas também ajudasse as empresas diante dos prejuízos financeiros que alegam estar sofrendo. Em Blumenau, como em outras cidades, o pedido foi atendido, depois de reunião da prefeitura com empresários de diversos setores econômicos.
O manifesto dos movimentos sociais, ainda que exija corretamente a continuidade da quarentena, não aponta para nada além do isolamento social como política. Em certo momento, afirma-se no documento: “É fundamental garantir proteção à saúde, aos direitos e à vida de trabalhadores, que são os mais expostos à contaminação, pois além de terem menos recursos de proteção e de dependerem dos transportes coletivos em setores como a indústria, trabalham em grande concentração, o que não é indicado num momento de crise sanitária mundial”. Afirma-se também: “O colapso do sistema de saúde e o pânico causado pela disseminação acelerada da doença levarão à paralisação da economia, porém num cenário ainda mais frágil do que este pelo qual passamos agora”. Não há nesse documento, que tem entre seus signatários os sindicatos têxtil e dos bancários de Blumenau, qualquer menção aos setores com trabalho mais precário, que sofrem com a ameaça do desemprego ou mesmo sem direitos, bem como não há qualquer exigência sobre orçamento para saúde e pesquisa no combate à pandemia.
O que se tem em Blumenau são os sindicatos exigindo apenas as saídas emergenciais mais imediatas, como o isolamento social. Não apontam no sentido de lutar por melhores condições de trabalhou ou mesmo exigir mais investimento estatais em saúde e condições de salário e emprego. Nas redes sociais dos sindicatos reina uma grande apatia, se limitando a reproduzir informações de diferentes órgãos sobre cuidados com a saúde. Com as ferramentas de comunicação virtual disponíveis poderiam mobilizar os trabalhadores em comitês tanto para garantir as necessidades imediatas, como para organizar as lutas que virão quando acabar a quarentena. Programaticamente, deveriam relacionar os problemas enfrentados no cotidiano dos trabalhadores com a situação do sistema público de saúde, ameaçado de colapso com o avanço da pandemia, bem como com a de outros serviços que sofreram cortes sistemáticos nos últimos anos, como saneamento e educação. Além disso, é necessário que os trabalhadores articulem essas reivindicações mais imediatas à derrubada do governo Bolsonaro e à destruição do capitalismo.