A pandemia provocada pelo coronavírus explicitou para todos o caráter destrutivo do capitalismo. Parece uma contradição que, mesmo com o desenvolvimento tecnológico que se alcançou nos últimos séculos, pessoas ainda morram em função de uma epidemia sobre a qual, a despeito de suas particularidades, se faz alertas há anos. Contudo, não há contradição nisso, afinal o capitalismo vive de sugar a vida dos trabalhadores, mesmo que os leve à morte. Marx e Engels destacavam que “cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já criadas” (Manifesto comunista). Para os capitalistas, o lucro precisa ser aumentado o máximo possível, ampliando a exploração, por meio da reorganização do trabalho e da retirada de direitos garantidos pelo Estado.
Esse cenário lembra em grande medida aquele no qual Trotsky escreveu o Programa de Transição, principal documento de fundação da 4ª Internacional, em 1938. O contexto em que foi escrito estava marcado pelo ascenso do nazismo, pelas tensões que levaram no ano seguinte à Segunda Guerra Mundial e pela traição das principais organizações dos trabalhadores. Trotsky, diante desse cenário, afirmou, logo nas primeiras páginas:
“As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, oprimem as massas com privações e sofrimentos cada vez maiores”.
A pandemia provocada pelo coronavírus exacerbou a crise econômica, que se arrasta sem que os capitalistas consigam apresentar qualquer solução, desde pelo menos 2008. Para a burguesia a única solução é explorar cada vez mais os trabalhadores. A crise econômica abalou a economia de países que, poucos anos antes, tinham atacado os trabalhadores com a retirada de direitos trabalhistas, e privatizado, total ou parcialmente, serviços como saúde e educação. Enquanto o Estado salvava bancos e empresas, estivessem os postos de governo ocupados pela direita ou pela esquerda, os trabalhadores cada vez mais eram arrastados para a pobreza e para piores condições de trabalho. As tímidas políticas estatais, em especial por meio de programas assistenciais, como o Bolsa Família no Brasil, que dividem os restos de migalhas deixados por banqueiros e burgueses, se mostraram inócuas para diminuir os impactos sobre a crescente massa de trabalhadores pobres e desempregados. Trotsky criticava essa política de migalhas, apontando: “A crise atual, que ainda está longe do seu fim, já demonstrou que a política do New Deal nos EUA, assim como a política da Frente Popular na França, não oferece qualquer saída ao impasse econômico” (Programa de Transição). Como ocorre há mais de um século, o reformismo é completamente incapaz de salvar o apodrecido sistema capitalista.
Uma emergência internacional, como a causada pela pandemia do coronavírus, mostra que o Estado enquanto amenizador da miséria chegou a seu limite. Depois de todos os ataques promovidos em nome do lucro da burguesia, a pandemia encontra grandes aglomerações de pessoas sem saneamento básico, um sistema de saúde dominado por setores privados, universidades e centros de pesquisa sucateados, o crescimento constante de trabalhadores informais e um sistema de seguridade social pilhado pelo capital financeiro. Chegou-se a um cenário em que apenas uma política emergencial que mexa nos lucros da burguesia e aponte para a superação do capitalismo poderá impedir a morte de dezenas ou centenas de milhares de pessoas.
Qualquer saída para os trabalhadores passa pela apropriação dos lucros dos capitalistas, implementando um amplo sistema de proteção à saúde e ao emprego, além da garantia de salário e trabalho para todos. Uma ação como essa visa garantir a sobrevivência material de bilhões de trabalhadores em todo o mundo. Como no contexto vivido por Trotsky, marcado pelo fascismo e pela iminência da guerra, os revolucionários precisam ter clareza de que:
“trata-se de preservar o proletariado da decadência, da desmoralização e da ruína. Trata-se da vida e da morte da única classe criadora e progressiva, e, por isso mesmo, do futuro da humanidade. Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo criou, que morra!” (Programa de Transição).
Contudo, apesar desse cenário em que a barbárie se avizinha no horizonte, os capitalistas não cansam de querer manter seus lucros, mesmo diante do aumento nos casos de pessoas contaminadas, e das milhares de mortes que ocorrem todos os dias. O Estado continua a garantir que as empresas paralisadas ou com funcionamento parcial não quebrem, colocando o lucro da burguesia em patamar de importância superior à saúde e à vida dos trabalhadores. A pandemia do coronavírus se instalou em meio à uma profunda crise econômica, e, para o capitalismo, a única saída possível passa pela manutenção de seus lucros, mesmo que para isso seja preciso derramar o sangue dos trabalhadores, destruindo grande parte da força de trabalho.
Nessa situação, as direções dos trabalhadores não se mostram à altura dos desafios. Os sindicatos, embora não sejam organismos revolucionários, podem cumprir papel fundamental na mobilização dos trabalhadores, mesmo no período da pandemia. Mas, como alertava Trotsky, os sindicatos “desenvolvem poderosas tendências à conciliação com o regime democrático-burguês” (Programa de Transição). Os trabalhadores seguem sendo atacados, com demissões, cortes de salário, precarização das condições de trabalho, entre outras coisas. Contudo, as principais direções sindicais se escondem atrás das redes sociais, sem aproveitar as possibilidades oferecidas peças tecnologias para mobilizar suas bases, organizar reuniões e plenárias mesmo que virtuais e fazer avançar a consciência dos trabalhadores.
No que se refere à direção dos trabalhadores, outra questão que se evidencia é a completa falência do reformismo. Políticas como o auxílio emergencial, mesmo que possam ajudar provisoriamente uma parcela da população, estão longe de garantir a vida dos trabalhadores. Um programa de real transformação da sociedade precisa colocar como centrais, no que se refere à saúde, a expropriação dos capitalistas, começando pelos grandes laboratórios farmacêuticos, e a estatização do sistema de saúde. Uma crise como a atual mostra claramente as engrenagens da exploração do trabalho e a razão pela qual o capitalismo precisa ser destruído imediatamente. Mas, para a maior parte da esquerda, está em jogo somente manter a disputa institucional e se colocar como alternativa eleitoral, claramente mostrando que “a crise atual da civilização humana é a crise da direção proletária” (Trotsky, Programa de Transição).
Por isso, na atual conjuntura, coloca-se a necessidade de um programa emergencial, como o apresentado pela Esquerda Marxista, que articule as reivindicações mais básicas – saneamento, medicamentos gratuitos e leitos hospitalares, entre outras – com aquelas que se choquem diretamente com o capitalismo – estatização de indústrias farmacêuticas e de hospitais particulares, expropriação de grupos capitalistas e das grandes fortunas, e a necessidade de auto-organização dos trabalhadores, entre outras. Precisa estar no horizonte a derrubada do capitalismo e a construção de uma nova sociedade, dos e para os trabalhadores, com uma economia planificada. Trotsky lembrava que:
“sem uma revolução socialista no próximo período histórico, a civilização humana está ameaçada de ser arrastada por uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, em primeiro lugar, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária” (Programa de Transição).
Somente os trabalhadores poderão derrotar a atual crise e superar a pandemia, construindo com suas mãos um novo mundo.
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