Nas últimas semanas, Stalin e o stalinismo estiveram entre os assuntos mais comentados pela esquerda. Em âmbito mais geral, este fato se deve à resolução revisionista da União Europeia que iguala o comunismo ao nazismo. De um ponto mais específico, tem relação com um debate nas redes sociais envolvendo alguns acadêmicos marxistas. Isso coloca Stalin e sua política no centro do debate, fazendo com que parte da esquerda se veja confusa, e busque formas de reabilitar sua figura.
Possivelmente a reação da maior parte da militância de esquerda, quando vê a extrema direita ou a burguesia criticando Stalin, é a de fazer a sua defesa. Essa é a mesma postura que levou setores da esquerda a defender o direitista Macron diante das críticas feitas por Bolsonaro ou a compartilhar em suas redes sociais as falas despolitizadas de Alexandre Frota contra o governo. Uma constatação óbvia é que a fragilidade teórica e a confusão política que imperam na maior parte das organizações e dos partidos de esquerda fazem com que a sua militância mostre dificuldades para responder de forma coerente a situações como essas, por mais simples que sejam.
No caso de Stalin e da camarilha que ele comandava, é preciso ter em mente o papel que cumpriram para destruir as conquistas da revolução. Embora revisionistas de esquerda tentem reabilitar a imagem de Stalin, o fato é que se trata de um criminoso que, com o apoio de seus aliados, perseguiu, exilou e ordenou o assassinato da maioria da vanguarda revolucionária de 1917. As conquistas da União Soviética atribuídas a seu governo não são produto de sua mente ou ações, mas do debate coletivo realizado nos sovietes durante os primeiros anos depois da revolução. Mesmo avanços econômicos e sociais ocorridos durante o seu governo não são produto de suas ideias, mas consequência do método de planificação da economia, implantado ainda em vida por Lenin. Na conta do regime liderado por Stalin e seus aliados se deve colocar apenas regressões profundas, como o cerceamento da democracia nos sovietes e o recuo na legislação referente aos direitos das mulheres.
O elogio da União Soviética enquanto obra de um indivíduo é uma bobagem que nada tem a ver com o marxismo. Certos indivíduos podem até ter relevância em alguns contextos, mas sempre serão parte de um grupo e nunca mais decisivos que a ação de uma força coletiva, seja conservadora ou revolucionária. No caso de Stalin, nem mesmo os crimes a ele atribuídos podem ser considerados sua obra exclusiva, pois ele contou com centenas ou mesmo milhares de aliados em todo o mundo para cometer suas barbaridades ao longo de décadas. Stalin não era outra coisa que não a expressão mais evidente de uma burocracia que tomou o controle do partido russo, do governo soviético e da Internacional Comunista.
Tanto o elogio como a crítica ao indivíduo Stalin são exemplos de despolitização e de falta de compreensão do processo histórico, bem como a expressão de interesses políticos. No caso da direita é mais fácil de enxergar esse interesse, afinal é parte de sua natureza combater qualquer coisa que possa fazer a mínima referência a algum processo revolucionário. A centralização de críticas e denúncias na figura de Stalin busca esconder que as ações tomadas durante seu regime se deram de forma coletiva, ainda que distorcidamente, seja para manter elementos do regime nascido da revolução, seja para cercear o poder dos trabalhadores nos sovietes. Resumir os acontecimentos históricos a ações de Stalin e a seus crimes é uma forma de desqualificar o debate e desviar o foco para a real questão do problema, que é o embate entre a democracia burguesa e a revolução socialista.
Na esquerda os interesses políticos são mais difusos, sendo comum criticar Stalin e elogiar o stalinismo. Poucos são os militantes que se dispõem a defender a figura de Stalin diante das denúncias de seus crimes, do autoritarismo na condução do Estado e dos métodos utilizados nas disputas políticas. Contudo, qualquer crítica acaba sendo acompanhada de ponderações que justamente destacam ações supostamente positivas que teriam sido feitas em seu governo. Conclui-se que, mesmo tendo cometido erros, Stalin também teria promovido ações fundamentais para a história do movimento operário, ou seja, existiriam aspectos a serem considerados de forma positiva na política stalinista.
Objetivamente, essa postura esconde uma vergonhosa capitulação à política desenvolvida pelo stalinismo. Os principais elementos da política stalinista são a defesa do “socialismo em um só país”, a teoria da revolução por etapas, e a estratégia da frente popular. Pode-se acrescentar ainda ações como o acordo de não agressão pactuado com Hitler ou a política de “coexistência pacífica” assumida em acordo com o imperialismo depois da Segunda Guerra. O que se tem, portanto é uma política que, de conjunto, visa a manutenção da burocracia governante, o fortalecimento do governo por meio de países satélites controlados pela burocracia, e o combate a revoltas e revoluções que pudessem desestabilizar países fora do eixo de influência soviético. Quando nos remetemos ao stalinismo, falamos de uma camarilha conservadora que lutava para manter seus próprios privilégios, levando, primeiro, à estagnação da revolução socialista, e, depois, à sua morte.
No caso dos países que não superaram o capitalismo, o stalinismo se torna um aliado da democracia burguesa. Por isso, aceitar o stalinismo como algo palatável em países como o Brasil significa aceitar a ideia de que, por exemplo, deve-se permitir que o capitalismo se desenvolva ao máximo, para só então fazer uma revolução. Ou ainda que é preciso alcançar uma democracia plena antes de lutar pela revolução e pela ditadura do proletariado. O ato de deixar de lado a figura Stalin e defender algumas de suas políticas “positivas” visa justificar a capitulação dos autodenominados “marxistas leninistas” à democracia burguesa, como o fazem ao se somarem à “frente democrática”, se aliando a partidos reformistas e burgueses. Essa política pouco ou nada se diferencia da “frente popular” que levou à derrota da revolução na Espanha e na França na década de 1930.
A postura de aceitar o stalinismo como algo que possui elementos positivos traz, de fundo, o combate à revolução e às correntes que procuram manter viva essa chama, como aquelas que não revisaram os fundamentos da fundação da 4ª Internacional. Para esses que colocam o stalinismo como opção a se seguir, ainda que em partes, não se trata de uma capitulação tática e eventual à democracia burguesa, mas da opção de abraçar estrategicamente o inimigo de classe, deixando de lado a unidade com os setores que se dispõem a mobilizar suas forças para a derrocada do capitalismo. Ao abraçar o stalinismo, mesmo que parcial e timidamente, combate-se as saídas revolucionárias, resgatando o fantasma de algumas das maiores traições dos Partidos Comunistas em sua história.
Qualquer tentativa de reabilitação de Stalin ou de positivar algumas de suas políticas é um desastre para a esquerda, não por causa propriamente de sua figura, cujo conteúdo precisa ser profundamente discutido e historicamente superado. Não é a burguesia que deve julgar Stalin, mas a esquerda, a partir da análise de seus crimes e de suas traições. A tentativa de reabilitação de sua figura traz como fundo reviver de forma envergonhada algumas elaborações políticas e teóricas que trouxeram nada além de derrotas ao movimento operário em todo o mundo. O combate pela revolução e pela derrocada da democracia burguesa passa pela superação de qualquer resquício de stalinismo que possa haver nas elaborações políticas e teóricas da esquerda. Se Stalin pode ser útil para a esquerda é somente para que não se repita seus crimes e traições.
Dica de Leitura: Stalin, uma análise do homem e de sua influência
No centenário da Revolução Russa, num momento em que o capitalismo passa por uma crise mundial, levando a confrontos cada vez mais violentos entre a burguesia e classe trabalhadora,num momento em que cada vez mais trabalhadores buscam uma saída, a Editora Marxista e a editora Movimento, se unem para lançar no Brasil uma edição em português do livro Stalin, uma biografia escrita pelo grande revolucionário russo Leon Trotsky.
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