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Liberdade para Rafael Braga: mais uma vítima da opressão capitalista

No recente julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux comparou a tentativa de golpe de 8 de janeiro com as Jornadas de Junho de 2013: “… em nenhum desses casos oriundos dessas manifestações violentas foi imputado algum dos crimes na Lei de Segurança Nacional”. O ministro sustenta a ideia de que ninguém foi preso em 2013 e que, portanto, os envolvidos nos atos golpistas de janeiro de 2023 devem ser anistiados.

A comparação entre uma tentativa de golpe protagonizada pelos apoiadores de Bolsonaro e as manifestações de 2013 é absurda. As grandes mobilizações ocorridas há mais de 10 anos foram o despertar de parcelas das massas que se mobilizaram em um primeiro momento contra o aumento das tarifas, mas que, ao serem duramente reprimidas, resultaram em uma explosão social que tomou conta do país. “De repente, quem nunca em sua vida havia participado de uma manifestação saiu às ruas querendo mudar o país, mudar o mundo.”1

Além disso, a ideia de Fux se baseia em uma mentira, pois Rafael Braga Vieira foi preso em 20 de junho de 2013, acusado de estar com produtos químicos para fazer um coquetel molotov. Ele levava consigo uma garrafa de água sanitária e outra de desinfetante quando foi abordado por policiais e levado ao Departamento de Polícia. Lá, foi espancado. Braga, então morador de rua e catador de recicláveis, afirmou que nem sabia dos protestos que aconteciam perto do local de sua abordagem. A polícia forjou o conteúdo das garrafas levadas por Rafael, de acordo com o próprio, mesmo que as garrafas fossem de plástico e não pudessem causar o estilhaço necessário para iniciar a explosão do coquetel. Era tudo uma farsa, uma mentira para levar mais um homem jovem, negro e pobre para dentro do sistema carcerário superlotado.

Em 2016, já cumprindo pena em regime semiaberto, Rafael Braga foi preso novamente em flagrante, portando pequenas quantidades de droga, e acusado de tráfico e associação ao tráfico. De acordo com sua defesa, novamente, forjado — o castigo perfeito para um homem cujo nome estava associado à luta de boa parte da esquerda no período contra as prisões injustas. As ruas gritavam: Liberdade para Rafael Braga! No regime fechado mais uma vez, o jovem contraiu tuberculose dentro do cárcere e voltou ao semiaberto, situação em que se encontra até hoje. Mais um homem inocente, privado de sua liberdade.

Essa é uma das tantas facetas do sistema de opressão capitalista, que esmaga a juventude negra por meio do encarceramento em massa e da violência policial. Não é o primeiro e nem será o último caso em que a polícia implanta drogas, forja flagrantes para justificar a prisão e até o assassinato de milhares de jovens negros anualmente, nos bairros operários, favelas e periferias, de norte a sul, de leste a oeste do Brasil. Essa instituição serve exclusivamente à defesa dos interesses da burguesia e, consequentemente, à manutenção da ordem capitalista, oprimindo e humilhando trabalhadores.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), a polícia brasileira matou 17 pessoas por dia no ano de 2023, chegando a 6.832 pessoas naquele ano. Já o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública afirma que 91,1% das vítimas da polícia são homens, 79% são negros e 48,5% têm até 29 anos. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 900 mil pessoas, perdendo apenas para a China e os Estados Unidos. Desse total, 25% estão aguardando julgamento. O déficit carcerário é de 230 mil pessoas a mais do que o sistema pode comportar, número que justifica a superlotação das cadeias. Além dela, os internos enfrentam condições extremamente insalubres, sem dignidade de vida e com falhas na ressocialização dos que de lá saem e procuram uma vida melhor. Muitos são os relatos de tortura, agressões físicas e psicológicas, celas com o limite extremamente extrapolado e comida podre em presídios de todo o país.

Os clássicos do marxismo nos ajudam a compreender melhor o papel desses “destacamentos especiais de homens armados, tendo à sua disposição prisões etc.”2. Em “O Estado e a Revolução”, Lênin aprofunda a questão retomando Engels:

“O segundo traço característico do Estado é a instituição de um poder público que já não corresponde diretamente à população e se organiza também como força armada. Esse poder público separado é indispensável, porque a organização espontânea da população em armas se tornou impossível desde que a sociedade se dividiu em classes (…) Esse poder público existe em todos os Estados. Compreende não só homens armados, como também elementos materiais, prisões e instituições coercitivas de toda espécie (…).”3

Essa “característica do Estado” surge a partir de uma necessidade prática, pois o Estado é “um órgão de dominação de uma classe por outra; é a criação de uma ‘ordem’ que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão de classes.”4

É por isso que diversos vídeos na internet mostram, por exemplo, treinamentos da polícia nos quais palavras de ordem em forma de cantos, que evocam o assassinato de “favelados”, são repetidas exaustivamente. A desumanização dos trabalhadores que vivem nos bairros operários, muitas vezes em ocupações, é fruto direto desse treinamento e da brutalização dos homens da polícia, criados à base de uma política de repressão. O passado da polícia remonta ao período colonial brasileiro, tendo surgido como força de defesa dos interesses e do status social da coroa portuguesa no Brasil, e seus símbolos permanecem até hoje estampados em diversos brasões de instituições, como o da Polícia Militar de São Paulo. Mudaram os governantes, mas o propósito segue o mesmo: proteger a classe dominante e sua permanência no poder — atualmente, a burguesia capitalista, com sua propriedade privada dos meios de produção.

“A justiça criminal é implacável
Tiram sua liberdade, família e moral
Mesmo longe do sistema carcerário
Te chamaram pra sempre de ex-presidiário
Não confio na polícia, raça do caralho…”

Em 1993, os Racionais MC’s lançaram um clássico do rap nacional: a música “Homem na Estrada”, presente no disco Raio-X do Brasil, que traz a história de um ex-interno da detenção que busca deixar no passado a vida do crime e o estigma de preso. Porém, ele encontra uma série de barreiras, tais como a violência cotidiana, a desconfiança da polícia, o desemprego e as condições insalubres de vida em seu bairro — como a falta de água e a ausência de saneamento básico.

No trecho “Crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo / seu café da manhã na lateral da feira”, Mano Brown expõe a dura realidade vivida por muitas crianças que passam fome no Brasil. Em outro momento, Brown versa: “Quero que meu filho nem se lembre daqui / Tenha uma vida segura, não quero que ele cresça / Com um oitão na cintura e uma PT na cabeça”, explicitando o desespero dos pais e mães trabalhadores e moradores dos bairros operários ao verem seus filhos crescendo em meio à violência, miséria e fome.

O “Homem na Estrada” retrata a expressão máxima da visão do rap nacional dos anos 1990, sendo uma ferramenta essencial de expressão artística e grito de resistência para os jovens moradores dos bairros proletários, que veem na música um meio de expressar a revolta diante da falta de perspectiva de vida que lhes é apresentada pelo capitalismo.

Para os comunistas, essa juventude é fundamental e muito valiosa, e o rap, com seu discurso crítico ao sistema, é uma ferramenta para abrir os olhos da juventude, escancarando as mazelas do capitalismo. Cabe a nós aproximar esses jovens da política revolucionária, fazendo com que se somem às fileiras da luta para pôr abaixo esse sistema de opressão e construirmos um novo mundo.

Diferente do que defende — e sempre defendeu — a maioria da esquerda, os comunistas afirmam que só há uma saída para a opressão capitalista, e essa saída é revolucionária. É impossível reformar esse sistema, pois ele é podre em sua essência e está apodrecendo cada dia mais, inclusive atrasando o desenvolvimento da humanidade.

Portanto, a única saída para que a classe trabalhadora viva com dignidade e segurança é por meio da derrubada da múmia do capital e da tomada do poder, para a construção de um mundo comunista, onde a dignidade humana esteja acima do lucro.

Lutamos por esse novo mundo ao mesmo tempo em que lutamos por reivindicações transitórias, como o fim das condições de insalubridade dentro do cárcere privado; a libertação imediata dos que estão presos injustamente; o fim da Polícia Militar, responsável pelos massacres nos bairros proletários; o fim do racismo, através da bandeira “Ser negro não é crime”; o fim do encarceramento em massa da juventude negra trabalhadora; e o fim da escala 6×1. São todas reivindicações indispensáveis do nosso tempo.

  1. Uma década depois, colocar Junho de 2013 no seu devido lugar. Disponível em: https://marxismo.org.br/uma-decada-depois-colocar-junho-de-2013-no-seu-devido-lugar/ ↩︎
  2. LÊNIN, Vladimir I. O Estado e a Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2007, p. 29 ↩︎
  3. Idem. ↩︎
  4. Idem, p. 27 ↩︎