Sob o capitalismo, o constante ataque às condições de vida da classe trabalhadora sempre se agrava, inclusive no coração deste sistema moribundo. E, por sua vez, a senilidade deste sistema de exploração aproxima a literatura distópica da realidade vivida pela classe trabalhadora.
Um dos direitos que é constantemente atacado é o da mulher sobre o próprio corpo. No Brasil, em especial no ano passado, foram várias as tentativas de proibição do aborto, até mesmo para os casos permitidos pela lei. Exemplos foram o “PL do Estupro” e a “PEC do Estuprador”.
Nos Estados Unidos, o cenário não é diferente. Em estados como Geórgia e Texas, há uma lei conhecida como lei do batimento cardíaco, que proíbe o aborto sob qualquer circunstância a partir da 6ª semana de gravidez, quando geralmente é detectada em exame pela primeira vez alguma atividade cardíaca no feto em formação. E tão somente a presença de atividade cardíaca já o caracteriza como uma pessoa com direitos legais.
Essa lei está sendo usada na Geórgia como pretexto para manter uma mulher ligada a aparelhos há mais de três meses após sua morte cerebral ser declarada, o que a tornou morta de acordo com a lei americana. A decisão de mantê-la conectada por aparelhos após seu falecimento tem por finalidade apenas a manutenção de suas funções vitais, para que seu filho possa nascer quando atingir 32 semanas. Este é o planejamento do hospital. De acordo com os médicos, a manutenção do suporte vital era a única saída legal no estado, devido à rígida legislação antiaborto recentemente aprovada.
Adriana Smith tinha 30 anos, era enfermeira e estava grávida de 9 semanas. Em fevereiro deste ano, buscou atendimento médico em Atlanta com fortes dores de cabeça, foi medicada e logo liberada, sem a realização de nenhum tipo de exame. Entretanto, na manhã seguinte, ela acordou com falta de ar e foi levada à emergência do Hospital Universitário Emory, onde detectaram coágulos sanguíneos em seu cérebro e, pouco tempo depois, foi declarada sua morte cerebral, que é uma condição irreversível, mesmo que aparelhos mantenham as funções vitais.
Este cenário trágico para sua família, da perda de um ente de maneira repentina, ganha contornos ainda mais cruéis devido à aplicação da lei do batimento cardíaco, a qual impede o desligamento dos aparelhos que mantêm as funções vitais de Adriana após sua morte, pois o feto morreria junto. Dessa forma, vemos como o corpo da mulher é completamente brutalizado, independentemente de suas condições de saúde e das condições de vida que o feto terá após sair da barriga da mãe. Além da perda da filha, a família terá que lidar com as complicações que a gestação de um feto por um corpo falecido pode trazer, uma vez que os médicos demonstraram preocupação com a saúde deste feto em desenvolvimento, constatando fluido em seu cérebro, o que pode lhe causar desde deficiência visual até a morte após o nascimento.
A mãe de Adriana então buscou a imprensa para denunciar a situação. Defendeu que a decisão de manter ou não os aparelhos ligados caberia à família, que em momento algum foi consultada. O que aconteceria antes do acirramento de leis que proíbem o aborto nos Estados Unidos?
Desde que a decisão da Suprema Corte no caso Roe vs. Wade, que permitia a realização do aborto até 24 semanas de gestação, foi anulada pela Suprema Corte em 2019, as leis antiaborto vêm se tornando rígidas, em especial a partir de 2022. A jurisprudência do caso Roe vs. Wade garantiu que os governos não tinham o poder de proibir o aborto. Assim sendo, desde 1992 as mulheres dos EUA tinham assegurado o direito ao aborto até 24 semanas, ficando os três meses seguintes sob regulamentação dos estados, podendo, nos últimos três meses, proibir ou não o aborto. Essa anulação, na prática, abriu as portas para a proibição do aborto a milhões de mulheres, pois cada estado pode criar leis cada vez mais restritivas.
Outro aspecto a ser ressaltado é que o sistema de saúde nos Estados Unidos é totalmente privado. Assim, a família de Adriana terá que pagar a conta dos meses de internação impostos pela lei. A conclusão que podemos tirar deste caso é a maneira como a burguesia se utiliza de uma política reacionária de morte da classe trabalhadora para elevar cada vez mais os seus lucros.
Essa lei nefasta, que já está sendo aplicada em mais de 10 estados do país, além dos demais ataques aos direitos das mulheres, demonstra que, no capitalismo, tudo é reduzido a mercadoria, de modo que até os nossos corpos são violentados e expostos a todo tipo de agressão para a burguesia manter um exército industrial de reserva, o qual mantenha os salários no menor nível possível. Essa condição se assemelha ao papel das mulheres dentro da sociedade de “O Conto da Aia”, livro de Margaret Atwood que descreve uma sociedade distópica, que vem se tornando cada vez mais próxima devido à podridão que a classe dominante impõe à classe trabalhadora.
No livro, a personagem Natalie é submetida a uma situação bastante semelhante à de Adriana, sendo mantida ligada por aparelhos mesmo após sua morte cerebral. No enredo, o filho nasce prematuramente e é logo encaminhado à UTI neonatal. Destino diferente não deve ter o filho de Adriana, que, se tiver a sorte de nascer com vida e saúde, crescerá sem sua mãe e com sua família tendo que arcar com uma dívida hospitalar milionária, praticamente impagável.

Outro acontecimento que demonstra que a sociedade distópica apresentada em “O Conto da Aia” está cada vez mais próxima é o artigo publicado por Anna Smajdor, professora de Filosofia da Universidade de Oslo, que defende a “utilização” – que podemos entender como escravização – de corpos de mulheres com morte cerebral para gestar, cumprindo o papel de “útero de substituição”, visto que a gravidez por si representaria um risco à saúde das mulheres. Segundo a professora:
“Ainda não podemos abrir mão do útero para a reprodução de nossa espécie. Mas podemos transferir os riscos da gestação para aquelas que não podem mais ser prejudicadas por eles.”
O propósito da defesa pública de uma posição como essa não é, de maneira alguma, auxiliar mulheres que não podem engravidar, mas sim escravizar o corpo das mulheres da classe trabalhadora. Com o agravante da necessidade de morte cerebral da mulher para que a gestação ocorra, fator que certamente elevará o índice de diagnósticos de mortes cerebrais em mulheres.
Além de desumanizar as mulheres, não há garantia alguma de que o corpo de uma mulher com morte cerebral consiga manter uma gestação completa – muito menos de que o filho nasça vivo ou saudável. A medicina atual consegue manter uma gestação já avançada por alguns dias ou semanas, com a finalidade de elevar as chances de sobrevivência do feto que se forma, mas não por um longo período de tempo, pois os órgãos vão gradativamente perdendo suas funções até o próprio coração parar de bater.
A posição de Anna Smajdor e o caso de Adriana Smith reforçam como a burguesia enxerga as mulheres da classe trabalhadora. O objetivo da classe dominante não é garantir o bem-estar da classe trabalhadora, mas sim elevar cada vez mais as suas taxas de lucro. Então, para isso, a burguesia proíbe o aborto a fim de garantir a continuidade de um enorme exército industrial de reserva, que pressione os salários dos trabalhadores para baixo.
Portanto, a única saída para as mulheres trabalhadoras é a luta unificada com os homens da sua classe em defesa da emancipação feminina e da classe como um todo. Historicamente, todos os direitos dos trabalhadores foram conquistados pela união e luta da classe operária em favor das suas condições de vida. O papel dos comunistas é partir de demandas urgentes, como a defesa do aborto público, gratuito e seguro para todas as mulheres que o necessitem, explicando que a classe interessada na proibição deste direito é a burguesa, que ataca cotidianamente as condições de vida dos trabalhadores para alcançar cada vez mais lucros exorbitantes. Sendo assim, a única saída é uma revolução comunista, que coloque abaixo qualquer tipo de exploração e opressão.
Se você defende a emancipação da classe trabalhadora e o fim da opressão sobre as mulheres da nossa classe, então organize-se com a Organização Comunista Internacionalista (OCI), o Movimento Mulheres Pelo Socialismo (MPS) e venha construir conosco a Internacional Comunista Revolucionária.
Lutar pelo comunismo, por uma sociedade que liberte a mulher de toda violência e opressão!